Sob a falácia das proibições inócuas
Por Eduardo Nascimento
Muito já se escreveu sobre a natureza das proibições, seja nos pressupostos filosóficos, seja nas discussões do direito. O fato é que os governos, em todas as instâncias, usam e abusam deste artifÃcio recorrente, na maior parte das vezes como forma de fugir das questões maiores e das causas propriamente geradoras de fatos relevantes. Por trás de uma proibição, é comum a existência de uma motivação populista. Ou a intenção velada de fazer cortina de fumaça à quilo que efetivamente é essencial.
O turismo brasileiro, mexe e vira, é tomado de assalto pela febre governista de proibir. O exemplo mais recente está na MP-415, de 21/01/08, que proÃbe a comercialização de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos comerciais à margem das rodovias federais. Editada sob o argumento risÃvel de que estaria resolvendo o problema da embriaguez dos motoristas, o que a medida provoca é a inviabilidade de milhares de estabelecimentos comerciais. É mais um entrave à atividade turÃstica, atentando contra o emprego de um amplo contingente de trabalhadores em bares, restaurantes, shopping centers e hotéis alcançados pela proibição.
Não bastasse o caráter obtuso da iniciativa, inócua na prática e desprovida de qualquer lampejo de inteligência, sobressai a sua fragrante inconstitucionalidade: nela está ausente um dos pressupostos constitucionais para a edição de qualquer medida provisória, qual seja, a urgência, previsto no art. 62 da Constituição Federal. Como é possÃvel se cogitar de urgência em relação a um problema que se arrasta há anos, senão décadas, e para o qual não existem soluções prontas e imediatas. A questão dos acidentes rodoviários é um dos problemas crônicos deste paÃs, de modo que, por mais relevante que possa ser (e é), não pode ser tratada como uma urgência.
A rigor, urgentes são as obras de reparação das rodovias federais, cujo péssimo estado de conservação é a verdadeira causa da maioria dos acidentes. Urgente é a fiscalização dos motoristas para que não dirijam alcoolizados, pois quem está disposto a exagerar na bebida, certa e lamentavelmente, não deixará de fazê-lo por não encontrá-la num bar de rodovia.
Outro ponto questionável desta MP-415 está na ofensa aos princÃpios constitucionais fundamentais da livre iniciativa e dos valores sociais do trabalho, bem como da ordem econômica e financeira. De acordo com o Art. 170 da CF, “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)â€.
Em termos práticos, proibir um bar de vender bebidas alcoólicas significa determinar o seu fechamento. Por analogia, é como proibir os açougues de vender carne ou as padarias de vender pães. Quanto aos restaurantes, a participação das bebidas alcoólicas no faturamento desses, segundo dados do segmento, corresponde a 40% em média.
Também deve ser considerada a inconstitucionalidade no que tange à livre concorrência. Ao proibir a venda de bebidas nas faixas das rodovias federais, é de se supor que o cidadão, se decidido a beber ou a comprar bebida, faço-o em outro local livre da proibição. Mais uma confirmação explÃcita da inocuidade e o patrocÃnio oficial de uma injustiça gritante – nem todos, no caso, são iguais perante a lei.
As pirotecnias do governo não param aÃ. E o estoque de proibições parece não ter fim. Também contra os interesses do turismo, outra proibição federal recai sobre o uso do GPS. Tecnologia consagrada no mundo todo e avanço inquestionável das comunicações, a sua proibição nos expõe de forma ridÃcula perante as demais nações. O desvario faz lembrar outras trapalhadas do autêntico Febeapá (Festival de Besteiras que Assola do PaÃs, expressão cunhada por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto). A volta do Fusca, patrocinada pelo então presidente Itamar Franco, é fichinha, se comparada à declaração estapafúrdia de um ex-governador de São Paulo, que propunha a proibição dos telefones celulares como forma de conter o avanço do PCC...
O que podemos fazer? Temos de nos posicionar contra, apoiar todas iniciativas pela revogação da MP-415. Reprovar o tratamento equivocado aos turistas espanhóis como retaliação xenófoba e nada inteligente. Repudiar toda forma de escamoteamento das nossas mazelas reais, como estradas em frangalhos e matriz energética capenga. Dizer não ao não, parafraseando Caetano Veloso na sua histórica canção ‘É proibido proibirâ€.
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