Cortesia com o chapéu alheio
Por Eduardo Nascimento
“A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, em 4 de dezembro, em caráter conclusivo, projeto que proíbe a dispensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador cuja mulher ou companheira estiver grávida, por um período de 12 meses”. Este é o lead da notícia publicada em 5 de dezembro no Estadão, onde o autor do projeto, deputado federal e presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, debulha pomposos argumentos para justificar e enaltecer a iniciativa.
A sensação inicial provocada pelo anúncio foi de estupefação: enquanto o país tateia para achar rumo em meio à crise econômica planetária instalada, o ilustre parlamentar paulista, como se vivesse em Marte ou Vênus, assina o mais flagrante atestado de alienação. "Ao propor este projeto, minha preocupação foi com a criança e a família. Não consigo imaginar, no nascimento da criança, um pai desempregado. É uma forma de dar maior tranqüilidade à mãe e isso repercute também na saúde do feto e do recém-nascido. Espero que o Senado aprove."
Médico de formação, especializado em radiologia e saúde pública, é louvável que o deputado Arlindo se preocupe “com a criança e a família”. Porém, o espantoso é a forma que encontrou para expressar essa preocupação: pousa de bom moço, sustenta posição simpática aos olhos do trabalhador, coloca azeitona na sua empada eleitoral e deixa a conta para o empresário pagar. Basta evocar o bom-senso para se ter clareza de que as relações entre capital e trabalho incluem o binômio contratar-demitir. Nenhum dirigente, em regra, demite funcionário por prazer ou pelo gosto sádico de impingir sofrimento.
Empresas são organismos vivos, modulam suas políticas de admissão e demissão de acordo com o desenho de gestão de cada uma. O jogo tem regras, a legislação trabalhista e a justiça do trabalho estão aí para o devido arbitramento. Por que, então, mais esse penduricalho? Por que mais essa leitura unilateral da realidade, cuja constitucionalidade é discutível e deve ser argüida?
Difícil não relacionar o espírito do projeto chinagliano com a seguinte definição: “Populismo é uma forma de governar onde o líder passa do nível racional, tentando estabelecer laços emocionais entre ele e o povo”. O Brasil já sofreu muito com esse mecanismo pernicioso de manobrar a opinião pública – lembram-se do candidato que virou presidente da República deflagrando caça implacável aos marajás? E aquele outro, que virou governador do Estado confiscando bois no pasto e mostrando bifes suculentos na tela da TV nos tempos do tabelamento da Nova República? Pois é. Mudam os atores, mas o enredo segue o mesmo.
Em termos objetivos, cabe esperar que esse disparate pare no Senado. Torcer para que os senadores, também por motivação eleitoreira (2010 está chegando...), não sucumbam ao apelo fácil do projeto chinagliano. Ademais, na hipótese de o projeto vingar e virar lei, os maiores prejudicados serão os próprios trabalhadores, porque os empresários terão de proteger suas organizações contra essa proteção paternalista. E, com isso, mais um fator de inibição da empregabilidade estará instituído.
Da nossa parte, considerando o universo das agências de viagens, que sofre os efeitos da carga tributária pesada, do fim das comissões e da própria crise internacional, rejeitamos, repudiamos e expressamos toda nossa indignação com o aludido projeto. Que o governo e o parlamento não ajudem é até compreensível. Mas atrapalhar, de forma acintosa, é inaceitável.
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