Regra clara é elemento fundamental para os mercados de açúcar e etanol
O Brasil não é mais o maior produtor de etanol, em termos absolutos. Em 2010, produziu 27,4 bilhões de litros, enquanto os Estados Unidos produziram 50,1 bilhões de litros, a partir do milho.
No entanto, o Brasil é, por larga margem, o país que conseguiu substituir o maior percentual de sua gasolina por etanol (44,5%), enquanto os EUA atingiram apenas 9,5%.
Por aqui, o consumo de etanol combustível ocorre na forma de etanol hidratado, usado pela frota flex, e na forma de etanol anidro, adicionado à gasolina na proporção de 25% em volume, usado pela frota flex e pela frota dedicada à gasolina.
Em 2020, quando a maior parte da frota de veículos leves for constituída por carros flex, um aumento de 10% na proporção da frota que usar etanol hidratado, ou gasolina contendo etanol anidro, aumentará o consumo em 7 bilhões de litros de etanol por ano, equivalentes a 11,3 milhões de toneladas de açúcar. Hoje, essa capacidade já existe, porém em escala menor.
O significado dessa conquista é enorme, trará grande vantagem ao Brasil e terá impacto importante no mercado mundial.
Em 2010, o Brasil representou 53% das exportações mundiais, com 28 milhões de toneladas de açúcar.
Portanto, em poucos anos o Brasil passará a ter capacidade inigualável de se adaptar a eventuais conjunturas adversas, através de ajustes no percentual da cana direcionado para a produção de açúcar ou de etanol.
A frota flex está se transformando em um verdadeiro sumidouro de sacarose (em inglês, um sugar sink), capaz de liberar ou absorver volumes significativos de sacarose de cana para um outro produto, à conveniência do preço relativo dos produtos.
Significa também que, no médio e no longo prazos, o açúcar tende a ficar cada vez mais dependente da dinâmica do mercado de combustíveis, que, por sua vez, não pode ficar sujeito a distorções, pelo menos não de forma prolongada.
Em 2011, a safra de cana no Brasil está sendo afetada, pelo terceiro ano consecutivo, por problemas climáticos.
Mas está também sofrendo o efeito da renovação dos canaviais abaixo dos níveis normais, pelo desestímulo que o preço da gasolina, mantido no mercado interno abaixo da cotação internacional, tem trazido aos produtores.
A manutenção da política atual, que privilegia a contenção do preço dos combustíveis nas bombas, sem oferecer um mecanismo de mercado que reconheça e premie a natureza renovável e limpa do etanol de cana em relação aos combustíveis de origem fóssil, pode trazer uma significativa perda de oportunidade para o país.
O risco é caminharmos na direção da anidrização do consumo de etanol, limitando o seu uso ao percentual adicionado à gasolina e abrindo mão da grande vantagem de arbitrar os mercados para garantir níveis de renda e investimento mais elevados.
O papel do governo deve ser o de estabelecer regras transparentes, estáveis e confiáveis. Somente assim o Brasil poderá continuar desfrutando de uma das maiores conquistas que conseguiu construir com o seu programa de energia renovável derivado da cana-de-açúcar.
O etanol de cana produzido no Brasil já substituiu um volume de gasolina que, avaliado a preços do mercado mundial, permitiu economia de US$ 261,4 bilhões entre 1975 e julho de 2011, equivalentes a 75% das atuais reservas internacionais.
O desafio é impedir que essa galinha dos ovos de ouro esmoreça.
PLINIO NASTARI é mestre e doutor em economia agrícola e presidente da Datagro Consultoria.